terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Boas Festas
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Como é Lisboa, Artur?
Ao homem sentado diante de casa tanto se lhe dava que se tratasse de Alcochete, Nova Iorque ou Paris: tinha um rectângulo de cortiça nos joelhos, para a paciência das cartas, e ao levantar os olhos do baralho, com a cabeça ainda em Luanda, não era o Tejo que via: era uma ilha de palmeiras, uma concha de arcadas com aves pernaltas nas empenas, e fragatas a gasóleo largando para a pesca, num rastro de motores e batucada.
O homem morou quarenta e sete anos em África, a trabalhar de motorista de camião ao serviço dos holandeses dos diamantes e custava-lhe habituar-se a uma terra de frio onde ninguém o conhecia, tirando os vizinhos de desgraça que dividiam com ele uma língua de lama e alforrecas, furtada aos desenfados do rio.
...
De forma que estava o homem diante de casa, às voltas com ases e manilhas, e sentado ao lado dele, num balde ao contrário, um cego de óculos de mica. Muito direito, atento com os ouvidos que é como os cegos vêem, a enrolar uma mortalha com deditos de croché, e mal os sons rareavam, sinal de que o homem hesitava a pensar, o cego perguntava logo, inquieto:
— Como é Lisboa, Artur?
— Lisboa?
Guardava as cartas de má morte no bolso, e ficava-se, de pálpebra rancorosa, no hidroavião, à medida que pelas redondezas começava uma agitação de ralhos e de caldos em púcaros de folha, que era o jantar de quem viera de Angola, sem dinheiro para uma quarta de chouriço. O homem não comia: demorava-se crepúsculo adentro até o hodroavião desaparecer nas luzinhas de Alcochete ou de Paris, que para os nascidos em África, como era o caso, era igual ao litro, e o cego ao lado dele, também sem caldo, impassível nos óculos de mica, a puxar fósforos e a acender o cigarro na colher da mão. Já estava tudo escuro, só candeeiros a tremelicarem ao longe e um ventinho nas ervas, e o homem, de gola levantada por causa das traições da bronquite, a pensar que ele e o baralho se achavam em Portugal há três semanas no mínimo ... e nisto o cego, curioso, a chupar o cigarro, numa voz que se confundia com os grilos:
— Como é Lisboa, Artur?
...
De ideias fixas o cego, pensou o homem cuja cabeça continuava no canto oposto do mar, agarrada ao musseque onde crescera, entretendo-se sozinho no quintal das traseiras, sob um braço de tília. De certo modo, embora estivesse em Cabo Ruivo permanecia em África, com a mãe e as irmãs mais velhas ... e, por estranho que parecesse, o que recordava melhor não eram coisas de adulto, já homem, já motorista dos holandeses dos diamantes, a conduzir um camião para cá e para lá, de Malanje a Luanda e de Luanda a Malanje. ...
Fixava-se no hidroavião a olhar as asas tombadas, os flutuadores, que pareciam pantufas gigantescas de caminhar sobre as marés do Tejo, as cadeiras sem passageiros, a hélice de moinho de poço, o lugar do piloto encostado ao volante, parecido com o dos camiões dos diamantes: só não havia a mascote da pretinha de tanga, pendurada de uma guita, a dar-a-dar no espelho. Isso, pensou o homem, não constituía problema: a questão era uma pessoa instalar-se ao guiador, que em chegando a Luanda encontraria, apesar da guerra que por lá faíscava, a destruir vivendas e jardins, uma capelista pronta a vender uma mascote nova, de modo que alcançaria Malanje com a boneca, toda contente, a dançar merengues no vidro. Quanto a colegas de viagem, que de Lisboa a Malanje é um esticão, convidava o cego que, como ele, não tinha caldo nem família, e de caminho dava uma volta sobre Cabo Ruivo e explicava-lhe a cidade: monumentos, estátuas, igrejas, o carrossel do oito, bairros de ricos, tudo. Largariam de manhã cedo, à hora a que os albatrozes se levantam das mimosas do lodo e o nevoeiro se esfuma em Alcochete, Nova Iorque ou Paris, mostrando paus de fio e telhados tremendo à flor da água, e o indiano do automóvel das Américas, incrédulo:
— Esse hidroavião não vale nada, coitado.
E realmente não parecia valer nada: em três semanas que o homem ali estava, sentado diante de casa com o baralho de cartas, o hidroavião quietinho, sem que um farrapo de lona se mexesse ao vento, sem que o leme da cauda desse sinal de abano, sem que qualquer luz se acendesse na carlinga. Resumindo: sem nenhuma vontade de voar. Um trambolho, decidiu o homem, uma coisa inútil, uma gaivota morta, e continuou a pensar isto à medida que se dirigia para ele, escoltado pelo cego dos óculos de mica, muito direito, muito seguro do caminho, a tricotar a erva com a bengalinha de metal. Sentou-o num lugar à janela, recomendou-lhe:
— Segura-te.
Ocupou o volante, experimentou os pedais, as alavancas e as manivelas perras, e voltou a cabeça para informar o outro:
— Aguenta um bocadinho que já te mostro Lisboa.
Anos depois, muitos anos depois de o homem e o cego terem levado sumiço, sabe-se lá para onde, o indiano continuava a jurar, a quem o queria ouvir, que o hidroavião não saiu do mesmo sítio, não se deslocou um milímetro, não se ergueu nem isto do pontão. E é neste ponto que as divergências começam: há quem garanta que os empregados da Câmara vieram com uma furgoneta e transportaram para a sucata aquele morcego sem préstimo. Mas há também quem afirme, pronto a jurar, que o hidroavião, com o homem e o cego dentro, correu um nadinha na água, subiu a pino, e partiu, sobre Lisboa, na direcção de Luanda, na direcção do mar. E acrescenta quem sabe que se via um braço, saído de uma janela, a mostar monumentos e igrejas a uns óculos de mica, e uma pretinha de tanga, muito alegre, suspensa de um cordel, a dar-a-dar no pára-brisas em acenos de adeus."
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
domingo, 14 de dezembro de 2008
bolota
Uma alface, uma cenoura, um alho francês, um bacalhau, tudo no saco das compras que foi ao mercado.
Duas designers, fartas de verem brinquedos, objectos decorativos e utensílios diversos em plástico,
decidiram criar as mesmas coisas em feltro.
the magic carpet
This lovely picture, came from Valerie Walsh.
Please, visit her.
"dreamin', I'm always dreamin'..." (Lou)
sábado, 13 de dezembro de 2008
é Natal, ninguém leva a mal...
Nem consigo pactuar com elas.
É qualquer coisa de intestinal.
São intrinsecamente falsas, egoístas, más, nada fazem pelos outros, enganam e mentem todo o ano, e depois, são as primeiras a desejar Boas Festas, Santos Natais e outros cinismos que tais, com uma tal antecipação que me fazem estrebuchar nas minhas navegações, e olhar para o relógio perguntando-me: "JÁ"?
Provocam-me indigestão e vómitos.
São como os que na Índia se banham numas águas imundas para se lavarem de todos os males, ou como aqueles beatos que levam toda a semana a fazer mal ao próximo, para depois se limparem numa missa e terem um santo Domingo, nem que seja por uma hora.
Que fiquem longe, porque "pró ano" voltam ao que sempre foram.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
não está certo
daqui
Não está certo...
Uma mulher que guia assim? Não está certo...
E agora? Quem tem coragem de a ultrapassar?
Só se for outra mulher...
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
I was a cloud
~original lyrics: I was a cloud. I was a cloud looking down. Your frantic waving did not provoke feeling. But this little one. Steady your wings, now, sparrow. I remembered him. Steady your wings, now, sparrow.
And in the dark; from the sea marbled and moon-blue; into the burning eye of the sun; without feeling; my end was imminent.
Steady your course now, sparrow. But I remembered him. Fear for your home life, sparrow. Fear for your home life.
originalmente postado aqui