sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Luanda morreu, adeus Luanda

de: Novo Jornal, Editorial
25/11/2016 - 10:50:00

"A morte anunciada dos Cinemas Miramar (e outros) ... a destruição sistemática de património que é comum a todos, que pertence a Luanda, que enriquece a nossa história comum ...
Melhor seria partir Luanda antiga, Luanda histórica, bocado a bocado. Sem truques, sem ilusões, cara a cara: meus senhores, Luanda não existia, então vamos fazer uma nova! ... somos o produto não de cinco séculos mas de quarenta e um anos.
A absoluta aberração do shopping à beira da Fortaleza diz bem da falta de limites para tudo. Entre a ignorância e o atrevimento, entre a maldade e a gula selvagem de facturar por facturar, é um bom exemplo do que não deve ser feito em parte nenhuma do mundo. Lamentável o silêncio dos mais-velhos, dos que, ainda vivos, viram Luanda crescer, e dos mais-novos, para quem o silêncio é a melhor solução, não vão acabar por ser prejudicados a posteriori por afirmações que façam e posições que defendam.
Um dia desses podiam, triunfantes e destruidores, olhar para o espelho e perguntar-se onde é que nós entrámos nesta descabelada exposição de maus gostos sucessivos, neste vendaval de loucura que não tem limites, que quer arrancar Luanda à sua própria história e redefini-la como se fosse uma invenção dos poderes actualmente instituídos."


Há muito que tenho vindo a dizer "adeus Luanda"
A destruição de um dos mais importantes edifícios do Modernismo Internacional, que mesmo depois de desaparecido continua a ser mundialmente estudado, o Mercado Municipal do Quinaxixe (feito quando meio mundo renascia dos escombros da 2ª guerra Mundial e quando ainda se faziam edifícios de estilo neoclássico como o Banco de Angola ou o Colégio São José de Cluny) barbaramente demolido para que alguém ganhasse muito dinheiro muito depressa com a construção de uma obra gigantesca sem carácter nenhum, foi a gota de água.
Agora isto, o desaparecimento do Cinema Miramar, é o enterro definitivo.

Luanda, sempre foi uma cidade de imigrantes.
Quando os portugueses a fundaram, era um local desértico, uma savana. Apenas nas praias e nas ilhas próximas havia algumas aldeias de pescadores que principalmente se dedicavam a colher uma espécie rara de conchas que representava a moeda local.
Ao longo dos séculos, o seu enorme problema foi a falta de água potável. Os rios mais próximos ficavam a dezenas de quilómetros de distância e a cidade era basicamente abastecida pela Maianga, a lagoa dos elefantes que deu o nome ao bairro ali feito a partir do século dezanove.
A capital de Angola esteve para ser mudada por três vezes: Massangano, Catumbela e Nova Lisboa ou Huambo. Apenas em meados do século 20 o abastecimento de água a Luanda ficou resolvido com condutas desde o rio Bengo. E desde então, a cidade cresceu harmoniosamente bem estruturada, respeitando o antigo, com espaço para tudo e quintuplicando capazmente a sua população em apenas 20 anos. Sabe-se agora que era uma das mais belas cidades do mundo e com uma qualidade de vida excepcional, onde todos se sentiam bem e que foi motivo de inúmeras canções em todos os dialectos.
Dizem os que lá ficaram em 1976, que Luanda parecia uma aldeia. Dos mais de 500 mil habitantes, ficaram cerca de 100 mil dos seus antigos residentes. Depois, a cidade foi recebendo milhões de refugiados de toda a parte do território. Hoje, são mais de 8 milhões que lá vivem miseravelmente e que o governo não foi capaz de realojar. Oito milhões para quem a cidade não lhes diz nada.